Eles estão freqüentando os nossos consultórios mais assiduamente. Manifestam seus interesses, independentemente dos seus pais. No fundo, tentam se adequar ao que vêem nas capas das revistas " de saúde", aos seus ídolos do cinema e da televisão e aos ditames da moda. Revelam uma preocupação incomum com a imagem corporal para tão pouca idade e sofrem com isso, mesmo estando perfeitamente adequados.
Os pais se dividem entre envaidecidos e preocupados. Para eles, isso é também um comportamento novo e não sabem como lidar com essa tendência de insatisfação corporal dos seus filhos. Acham que suas crianças estão amadurecendo muito cedo e mesmo assim, evitam polemizar e se opor, pois já lidam com a dificuldade de controlar outros detalhes importantes da adolescência. Aliás, cuidar do corpo parece uma conduta saudável.
O que preocupa as meninas
As meninas manifestam há muito tempo a sua vontade de perder peso e esse fato não é uma novidade. Na verdade elas sofrem desde muito cedo as influências da mãe, que sempre fez dieta; as imposições da mídia, que exibe corpos magros como ideal e as exigências da moda, que diminui a cada ano a numeração dos seus manequins. As meninas são estimuladas a usar maquiagem, salto alto, roupas sensuais e se comportarem como adultas. Recentemente, uma polêmica envolveu um ensaio fotográfico da revista Vogue, que utilizou fotos de meninas, por volta dos 6 anos de idade, vestidas, maquiadas e em poses de adultas. O fato gerou posicionamentos contrários em todo o mundo, mas não foi capaz de retirar as revistas das bancas. A força dessas influências é inegável e os pais devem estar atentos a isso, discutirem o assunto e se posicionarem.
Nas últimas décadas, temos observado também uma antecipação da idade em que ocorre a primeira menstruação. Isso inclusive determinou mudanças nos parâmetros diagnósticos de precocidade e normalidade para o início puberal nas meninas. O estirão puberal e as formas corporais femininas são determinadas pela elevação precoce dos hormônios femininos. Apesar da pouca idade, elas são mais altas, exibem corpo de mulher e muita preocupação com a imagem.
Há evidências científicas que nos levam a crer que um "comportamento de dieta", adotado por adolescentes e crianças, cada vez mais preocupadas com o peso e engajadas em dietas para emagrecer, pode aumentar os riscos de transtornos alimentares entre elas. Na sociedade ocidental, de 9 a 22% das adolescentes lançam mão de comportamentos alimentares inadequados com o objetivo de perder peso. Esses comportamentos estão associados com desnutrição, retardo no crescimento e na maturação sexual e sintomas de transtornos mentais como depressão, ansiedade, fadiga crônica e maior risco de desenvolver transtornos alimentares.
O que mobiliza os meninos
Tem sido cada vez mais comum atendermos meninos muito interessados em músculos e proporções corporais incompatíveis com suas idades. De uma maneira geral, crianças e adolescentes não conseguem desenvolver naturalmente músculos tão hipertróficos com atividade física. Nos meninos, os hormônios masculinos e o estirão de crescimento é inclusive mais tardio, em relação ao que acontece com os corpos das meninas. Não há hipertrofia muscular sem hormônios masculinos em excesso.
Nos últimos anos houve uma crescente valorização da musculatura corporal masculina e para termos uma idéia dessa mudança, basta compararmos duas famosas figuras do cinema que viveram o personagem James Bond da série 007. Sean Connery e Daniel Craig. Eles exemplificam essa mudança nos padrões de beleza masculina. O primeiro, magro e elegante dentro de um terno e o segundo, malhado e musculoso, sem camisa em várias cenas do filme.
Não há como escapar desse modelo. Ele faz a cabeça da geração. O problema é que os meninos estão desejosos desse tipo físico muito precocemente e para conseguirem isso vem a procura de suplementos, como se isso pudesse aumentar massa muscular e promover os abdomes de tanquinho que eles tanto sonham. Juntos deles, vem os pais, aflitos e inseguros com as porções mágicas dos suplementos vendidos nas academias e lojas especializadas. Receiam que seus filhos passem a usar esteróides anabólicos comprados na clandestinidade. Esperam de nós, profissionais de saúde, que consigamos convencê-los a não usarem tais substâncias. Infelizmente, nossos argumentos encontram muito pouco eco nas opções desses meninos. Eles já chegam com um padrão de beleza e uma ilusão de saúde fortemente arraigados, os mesmos que vemos todos os dias estampados nas capas de várias revistas, em uma apologia insana e cruel a corpos musculosos.
Infelizmente os suplementos não ajudam esses meninos a aumentarem suas massas musculares. Até os 18 anos, idade em que eles normalmente param de crescer, eles nem deveriam fazer musculação. Até então, o maior estímulo para que eles possam ter um corpo masculino adulto perfeito no futuro seria uma dieta balanceada e a prática de esportes ou atividade física recreacional. Mas muitas vezes eles não aceitam tal recomendação. Pais, educadores e profissionais de saúde devem fazer a sua parte na tentativa de esclarecerem esses jovens pacientes sobre o equívoco dessa idealização tão precoce.
E o sonho do corpo perfeito continua
É mesmo muito preocupante o grau de insatisfação corporal entre os adolescentes em todo o mundo. Mais de 25% dos meninos e 50% das meninas desejam perder peso, incluindo estatísticas de povos orientais. O mais impressionante de tudo isso é que 81% deles são considerados de baixo peso ou de peso normal e 20% deles recorrem a métodos inadequados para alcançar seus objetivos de peso ideal, como dietas restritivas, medicamentos para emagrecer e a prática de vômitos auto-induzidos.
Entre os meninos magros, a insatisfação também existe e ela é responsável pela freqüência cada vez mais precoce dessa turminha em academias e pela insistência com que eles vem em busca de um suplemento. Tudo isso para antecipar uma estrutura que pode chegar naturalmente com a idade adulta.
De qualquer forma, abrevia-se a infância e adianta-se a vida adulta. Mesmo sem estrutura emocional para isso.
Fonte: CITEN